O mundo atravessa uma era de regressão intelectual e de paixão por supostos valores conservadores, que mais não são que um desejo de voltar a um momento da história que a evolução do ser humano já deveria ter deixado para trás.
Vem sendo habitual apontar um conjunto de lacunas na Geração Z, mas, sejamos honestos, enquanto elemento da “Geração Rasca”, tenho bem presente na memória a forma como a minha geração era vista pelas gerações mais velhas. Mais um ciclo? É assim tão inerente ao ser humano estudar os defeitos das gerações mais jovens? E onde está a responsabilidade de quem educou essa geração? De quem criou as condições?
O capital humano é uma força incontornável, é impensável ambicionar qualquer tipo de sucesso sem exista essa força motriz. É através desse capital humano, da sua força física e da sua força mental e intelectual que a sociedade prospera, economicamente e socialmente. O capital humano e a sua vertente intelectual e cerebral estão na linha da frente da resolução de problemas. É daí que as sociedades evoluem e surge a prosperidade.
As gerações mais jovens vivem com facilidades e dificuldades criadas pelas gerações mais velhas. Isso é evidente quando pensamos nas alterações climáticas ou na situação política que se espalhou pelo globo.
Erradamente, o dedo é apontado à Gen-Z quando falamos de redes sociais. Primeiro, quando se escolhe Zuckerberg como culpado. Mark Zuckerberg é um Millennial, um Gen-Y, nascido em 1984. Mas foi ele que iniciou o fenómeno das redes sociais? Segundo a World Wide Web, a primeira rede social foi a MacroView (depois passou a chamar-se SixDegrees Inc.) e o seu fundador, Andrew Weinreich, nasceu em 1972, ou seja, um Gen-X. Podemos continuar a busca e perceber quem criou a internet, quem desenvolveu as linguagens de programação que permitiram estas criações, mas é um desperdício de tempo, um exercício de busca de responsabilidade pelo desenvolvimento – esse malvado! – que resultou na utilização que tantos optam por criticar.
Os talentos geracionais, tal como as suas criações, tendem a ser altamente elogiados, principalmente depois de morrerem. Mas as pessoas têm essa capacidade, do melhor e do pior. E as suas criações também seguem o mesmo caminho. Como é que o inovador Musk é responsável pelo sucesso de um foguete que pode ser usado mais do que uma vez, mas também é responsável pela implosão do Twitter?
Para Elon Musk desenvolver os seus projetos e concretizar as suas ideias, foi necessário que outros investissem para tal acontecer. E os países, as organizações, o setor privado e o setor público, têm de investir em capital humano.
A criatividade é um bem inestimável, é um recurso valioso. E a saúde mental é um fator que interfere no desempenho. Não é possível negar a necessidade de aprimorar as ferramentais digitais de que dispomos, quer as redes sociais, quer as plataformas de mensagens instantâneas, quer a IA. O uso indevido dessas plataformas, além de ferir os direitos mais básicos consagrados, por exemplo, na constituição de cada país, mexe com a saúde mental dos indivíduos, interfere o acesso a cuidados de saúde e impede que as pessoas possam contribuir da melhor forma para o bem comum.
As desinformações veículadas através de redes sociais ou plataformas digitais são responsáveis pelo regresso de doenças que, graças às vacinas, já tinham sido erradicadas. Os responsáveis por esse tipo de campanhas são igualmente responsáveis por todos os malefícios que daí resultam. Os efeitos colaterais da desinformação agravaram com a pandemia e depois da pandemia.
É preciso mudar este panorama. Valorizar as pessoas e o seu contributo. Através da educação formal e não formal, através de campanhas de informação, através de regulação das inovações. Isso também é um investimento no progresso e no bem-estar.
A evolução de todos, enquanto sociedade, exige que sejamos mais conscientes e empáticos. Por exemplo, não usando termos como “woke” ou “wokismo” como se fossem algo a evitar. Acabar com discriminação e injustiças sociais deveria ser um objetivo de todos, independentemente da opção política ou religiosa. É uma tarefa árdua, uma vez que, por vezes, a defesa exacerbada de uma determinada visão leva a argumentações que fogem do propósito e, não raras vezes, da própria lógica e da realidade. Outro obstáculo é um conservadorismo sem limites, que parece querer instituir uma sociedade anacrónica, com cidadãos de bem e cidadãos de segunda e terceira categoria, com padrões que se defendem mas não se praticam, normalmente com uma base religiosa, sem base científica ou humanista.
E é preciso fazer este caminho de forma colaborativa. Cada um tem um papel a desempenhar. Um papel institucional, um papel profissional e um papel social. O caminho para valorizar e defender o capital humano é a inovação. A inovação é a solução? Provavelmente tem um papel de extrema importância, se considerarmos os problemas enunciados.
O setor de saúde é um vértice-chave para atingir o máximo potencial do capital humano, mas é também o que mais pode beneficiar dessa valorização. As pessoas, seja qual for a geração a que pertencem, querem melhor qualidade de vida, querem poder usufruir de todo o progresso – tecnológico e não só -, mas devem fazê-lo com regras, pensando em como isso pode prejudicar alguém, elas próprias ou qualquer outro indivídio.
Não basta desenvolvermos modelos de saúde integrada que foquem na saúde mental dos trabalhadores do setor de saúde ou dos jovens, se continuar o bombardeio de desinformação ou se continuar o bullying online, se as pessoas se sentirem tentadas a alterar os seus hábitos ou a sua aparência, se sentirem a necessidade de gastar dinheiro em algo só porque aquele ou aquela influencer disse que era boa ideia.
Temos uma população cada vez mais envelhecida, graças à medicina e ao progresso dos cuidados de saúde, mas temos uma população jovem que vive numa sociedade hiperconectada e hipersensível, com todas as vantagens e desvantagens que isso acarreta.
Discutimos a substituição dos humanos por máquinas no trabalho, mas não nos preocupamos em achar soluções para o aumento do tempo de isolamento das pessoas devido às novas profissões. Se era um problema durante a pandemia, deixou de ser agora, quando temos profissionais que ficam em casa, no seu home-office, sem convívio além dos chats e plataformas digitais? O que é que nós, enquanto sociedade, devemos fazer ou precisamos criar para que não se torne normal o isolamento social e a digitalização da vida pessoal e profissional?
E a sustentabilidade? Quem é que discute as implicações de produção e gasto de energia de toda essa tecnologia? Qual é o impacto da adoção em massa de ferramentas de IA? Ou de cloud? Ou de transformar os velhos empregos em novos empregos, que aumentam o uso de computadores e servidores e… de energia?
E qual é o futuro da cultura ou a natureza quando tudo gira em torno de informática e tecnologia e máquinas?
A preservação e valorização da mente humana e do capital cerebral é uma necessidade social e económica. E isso não depende somente de dinheiro. O investimento é mais abrangente. Todos, com graus de responsabilidade distintos, devemos colaborar para que o capital humano seja respeitado e incentivado.