Após uma viagem onde tive oportunidade de falar com pessoas de diversos países, perceber como funcionam determinados serviços e qual o acesso a certas ferramentas, uma das questões que mais surgiu foi o que mudou nos últimos anos, não só no que diz respeito aos cuidados de saúde, mas ao trabalho, às viagens e à vida pessoal e socialização.
As ferramentas digitais foram acolhidas, com desconfiança no início, mas de forma global, até pelas pessoas mais céticas.
Uma das declarações mais curiosas que tive oportunidade de ouvir foi sobre telemedicina, no caso específico, sobre teleconsultas.
Os pacientes gostam de teleconsultas porque, apesar do médico ou médica não estar presente fisicamente, sentem que está com mais atenção, afinal, não está focado no computador, mas sim na pessoa que está do outro lado. Ironicamente, para estar de olho no paciente, é preciso estar com foco no computador…
No entanto, ao regressar de viagem, um clique levou-me a um relatório sobre hábitos de consumo, acesso e escolhas.

O relatório obrigou a escrever mais sobre as conclusões e sobre os dados observados, por isso, este texto trata somente as questões de atendimento virtual e telessaúde.
Conforme se pode observar pela imagem acima, 90% das pessoas que responderam ao estudo declararam que estavam satisfeitas com o serviço que receberam. Outro dado relevante, 55% dos inquiridos explicaram que optaram por não receber cuidados de saúde remotamente por preferirem atendimento presencial.

Vejamos o gráfico acima. O atendimento presencial continua no topo das preferências, seguido pela consulta através de vídeo, depois por telefone, depois por mensagem.
É pertinente desenvolver duas vertentes que surgem destas respostas. A primeira, sobre o atendimento por telefone. Não é raro perceber o equívoco que existe, pelo menos no Brasil, sobre telemedicina, telessaúde ou teleconsulta, achando que é sempre por vídeo, levando, por exemplo, ao debate sobre a necessidade do uso de tecnologia 4K, para melhor imagem, com definição mais alta para poder observar ao detalhe o/a paciente. Em Portugal, a linha SNS24 é responsável pelo atendimento de milhões de pacientes, sendo uma ferramenta de triagem essencial. Ao contrário do que se pode ler no título da notícia, o atendimento por telefone é responsável por agilizar a triagem e definir o acesso mais rápido de quem dele necessita, tal como deveria acontecer nos serviços de urgência hospitalar. Através desse serviço também é possível agendar consultas.
E o relatório também aborda o uso de ferramentas virtuais para marcação de consultas.

O telefone continua no topo das preferências, mas, sabemos bem, hoje em dia existem atendimentos por telefone automatizados. Os problemas que estes oferecem são semelhantes aos bots que têm vindo a proliferar, alimentados por IA.
Funcionam? Sim. Com problemas? Também.
Não podemos ignorar que qualquer plataforma que recorra a IA para funcionar vai depender dos dados disponíveis. Não poderá existir uma resposta programadas para uma questão que não está no sistema. Por isso, é normal que os pacientes prefiram falar com um ser humano, por telefone, presencialmente ou através de chat online.
A saúde digital é apreciada por quem usa, mas ainda não é um recurso escolhido por uma maioria da população. Tal como a IA, também a inteligência humana precisa de mais dados para poder tomar uma decisão. E, perante o curto espaço temporal de uso das ferramentas virtuais, uma fatia da população quer e necessita de informação. Segundo o relatório, ainda existe incerteza sobre se o plano de saúde inclui esse tipo de atendimento ou se o médico ou a médica atende remotamente.
Operadoras, prestadores, hospitais, clínicas e médicos que atendem em consultório devem apostar na informação e educação de pacientes e potenciais pacientes. Enquanto dúvidas e incertezas forem obstáculo, as consultas presenciais serão a primeira, por vezes única, escolha. E, antes de oferecer marcações usando automatização, é essencial perceber se as respostas automáticas prevêem todas as perguntas que podem surgir, ou, pelo menos, se é possível direcionar para um atendimento humano.
Pacientes são consumidores. A pesquisa identificou que mais de metade das pessoas usaram APPs ou site para marcação de consultas. Ainda assim, metade dos inquiridos afirmou que preferia fazer isso por telefone.
Tal como qualquer pessoa que compra online vai fazer a compra de forma rápida e ágil quando sabe o que quer e detém as informações necessárias sobre o produto que procura, é frequente que se dirija a uma loja física para ver o produto, fazer todas as perguntas que acha necessárias, para depois decidir. Se pudesse fazer tudo isso online, provavelmente não sairia de casa e o processo de compra seria diferente e 100% virtual.
O paciente-consumidor tem comportamentos previsíveis,cabe aos profissionais e instituições assumir o lugar do outro, perceber se ficariam satisfeitos com as ferramentas disponíveis. A IA em saúde tem diversas vantagens, principalmente pelo rigor e pela quantidade e qualidade de dados usados, mas as plataformas de IA usadas no atendimento e relacionamento com o paciente são altamente deficitárias, enquadram-se no mesmo padrão do atendimento de uma operadora de telefonia ou de um banco, gerando insatisfação e repelindo os potenciais pacientes-consumidores.
De nada serve que os profissionais de saúde sejam bons, que tenham uma reputação que atrai pacientes, quando as instituições não educam e informam ou não educam para o uso das ferramentas que deveriam facilitar a vida de todos os agentes envolvidos.
One thought on “O que falta para os pacientes usarem telessaúde”
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